quarta-feira, 9 de abril de 2014

Por que você devia doar os seus livros

Texto extraído do Blog do Rodrigo Ghedin

Por que você devia doar os seus livros

Faz mais ou menos um mês, peguei um punhado de livros da estante, fui à biblioteca municipal e doei tudo. Uns 30 volumes, eu acho, de livros clássicos de filósofos e grandes pensadores até a coleção inteira de Harry Potter (hard cover, ainda!), além de alguns romances contemporâneos.

Ontem, numa conversa informal com amigos próximos e alguns familiares, esse assunto veio à tona e, para minha surpresa, fui execrado. Acharam absurda a minha ação, me chamaram de comunista (haha!) e… bem, reprovaram sem hesitação a minha doação para a biblioteca.

Questionei a eles o que havia de tão absurdo nisso e, principalmente, por que eu deveria manter os livros comigo — já devidamente lidos, inclusive por todos que estavam presentes. Do valor que gastei neles ao clichê de “guardar para mostrar aos filhos”, os argumentos rasos não foram muito além disso. Ah, e teve aquele terrível do “montar uma biblioteca particular é legal, fica bonito”.

Pois bem, surpresa: livros não são objetos de decoração. Ao menos, não deveriam ser. Livros são plataformas, meios de se contar histórias, para transmitir conhecimento. Aos meus filhos, caso um dia venha a ter algum, prefiro passar o exemplo do desprendimento e do bem coletivo ao do egoísmo e da ostentação. Os livros doados não sumirão da face da Terra; estarão ali, na biblioteca. Se não, outras cópias estarão espalhadas em outros cantos. Democratizar a leitura a torna mais acessível, não o contrário.

Quando eu compro um livro, não é pelo papel, pela tinta, nem pela arte da capa que dou meu dinheiro. Esses detalhes, aliás, formam a menor parcela dos custos de produção de um livro1 — e não é por acaso. Eu compro o direito de ler o conteúdo, uma história legal ou inspiradora, algum material técnico para me aprimorar e, também, recompensar o autor pelo trabalho realizado.

Tendo essa visão de livro como meio, fica fácil entender que o lugar dele não é na estante de casa, acumulando poeira. Lugar de livro é nas mãos de quem tem vontade de ler. Vou repetir de uma forma mais direta: livros foram feitos para serem lidos.

Por isso eu doei, porque lá, na biblioteca, um punhado de gente terá a mesma oportunidade que eu tive há mais de dez anos, quando peguei Harry Potter e a Pedra Filosofal para ler e, com ele, redescobri o prazer da leitura. Muitos lerão, muitos serão inspirados por esse livro doado, muitos criarão também o hábito da leitura e partirão para coisas mais complexas e enriquecedoras.

Não lembro exatamente quanto paguei pelo primeiro volume de Harry Potter, mas não deve ter sido mais do que R$ 30. “Ó, mas que caro! Sete livros… (conta conta conta) Nossa, mais de R$ 2002! E você deu isso, de graça!?”. Pode ser. Eu prefiro pensar que fiz um investimento na educação e no fomento da cultura de outras pessoas. E isso não vale R$ 30; isso não tem preço.

Mas eu entendo a preocupação com a parte financeira da coisa e, particularmente, também a levo em conta. Meus rendimentos não são lá tão grandes, mas me permitem comprar livros vez ou outra sem que falte grana para outras despesas mais básicas. E é justamente por estar atualmente nessa posição privilegiada que o ato de doar deveria ser ainda menos surpreendente partindo de mim. Deveria, mas a julgar pelas reações de ontem…

Ainda estou “desmontando” a minha biblioteca, pretendo doar e trocar outros tantos livros. Para não dizerem que tenho repúdio a bibliotecas, alguns poucos, contáveis com os dedos de uma mão, eu manterei comigo. Livros com um significado especial ou de referência/consulta. São bem poucos, mesmo; o resto? Adeus.

Uma boa alternativa para quem não gosta de ficar de “mãos vazias” é trocar livros por outros em sites3 como Trocando Livros, livralivro e Skoob Plus. Nesses sistemas, você doa o livro e recebe créditos por isso, os quais são usados para pedir, gratuitamente, livros de outros membros da rede. Uma grande biblioteca colaborativa, um uso maravilhoso da Internet que, “para deixar a estante bonita”, muita gente ignora.

Mas se você se inspirou e quiser doar, ah, meu amigo… aí não há barreiras para esse nobre ato de solidariedade. Você pode ir à biblioteca da sua cidade, de alguma escola, nas comunitárias ou mesmo deixar o seu livro por aí — e, se for muito curioso, tentar acompanhar a jornada dele pelo BookCrossing. Falta gente para doar, mas para receber, de maneira alguma.

Só não mate seus livros deixando-os mofando em casa, na sua estante. Não faça isso, por favor.

***

1 Segundo esse link, um livro de 112 páginas custa R$ 1,50 por exemplar numa tiragem de mil. Quanto maior a tiragem, mais barata a impressão. De qualquer forma, note que mesmo num livro “independente” a impressão é o de menos — lembre-se que antes mesmo de iniciar o processo está o maior custo: o do trabalho do autor.

2 Levando em conta a “inflação” que Harry Potter sofreu com a estreia no cinema, o custo final deve ter sido maior. Os três últimos livros comprei no lançamento e, bem me lembro, a valores bem salgados, perto dos R$ 50. Mas… quem se importa?

3 Já enviei livros pelo Trocando Livros. O livralivro me pareceu bastante sério, alguns meses atrás recebi um email do idealizador do site. E o Skoob é velho conhecido, escrevi sobre ele (a porção rede social) no Meio Bit e, na ocasião, conversei com alguns dos administradores do site. Enfim, todos (muito bem) recomendados!

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