segunda-feira, 6 de maio de 2013

Meu amigo mais antigo - Ziraldo

Meu amigo mais antigo*
Ziraldo


Meu pai e minha mãe acreditavam que presente bom para filho era livro.
Meus colegas de Grupo Escolar -era assim que se chamava a escola primária do meu tempo- não achavam isso, não. Eles gostavam era de carrinho, boneco de corda, bicicleta, piorras, bolas de futebol...

Essas coisas é que eram presentes bons. Acreditavam que esse negócio de eu ganhar livro em lugar de brinquedo era golpe do meu pai que, coitado, não podia gastar dinheiro com brinquedos caros.
Havia, porém, duas coisas que meus colegas de escola não sabiam. A primeira é que eu adorava livros, gostava mesmo de ganhá-los de presente. Chegava a tremer de emoção enquanto abria o embrulho que papai trazia de suas viagens, tentando adivinhar a capa do livro que o embrulho escondia.
A outra coisa é que meu pai, também, tinha lido livros que marcaram muito sua vida de menino.
Isso foi no começo dos anos 20, e ele lembrava que achou estranho encontrar um livro infantil, na escola, só para menino ler e não para estudar. Ele achava isso o máximo! E não se esquecia de que o livro se chamava "Narizinho Arrebitado".
Ele queria muito reencontrá-lo para dar pro seu filho de presente, talvez, para os dois lerem juntos e ele voltar um pouco à sua infância.
Já havia bem mais de 20 anos que ele havia lido aquele livro e nunca mais tinha ouvido falar dele, perdido que vivia numa cidadezinha do interior do Brasil.
Até que um dia cheguei da escola trazendo um livro que havia pedido emprestado na Biblioteca do Grupo Escolar. E o livro se chamava "Reinações de Narizinho".
Eu perguntei pro meu pai: "Não será esta menina aqui a sua Narizinho Arrebitado, pai?" E ele me perguntou: "Como é o nome do autor do livro?" Eu disse: "Um tal de Monteiro Lobato!"
O rosto do meu pai se iluminou e, a partir desse dia, o Monteiro Lobato e eu ficamos amigos para sempre. 

*Texto retirado do livro Meu tempo e o seu

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